quarta-feira, 8 de julho de 2009

Retratos da liberdade

Ninguém é mais escravo do que aquele que se considera livre sem o ser. (Goethe)

Liberdade. Substantivo feminino, com um significado forte e com um histórico presencial. 'Faculdade de fazer ou de não fazer qualquer coisa, de escolher. Independência: conquistar a liberdade'. Outro dia, comecei a pensar os vários sentidos que essa palavra carrega, e por acaso, em uma longa e cansativa espera na sala de um consultório médico, li o artigo de Lya Luft na Veja sobre esse mesmo assunto, e comecei a me questionar a credibilidade do real valor que ela nos traz - ao longo da vida.

Temos a vaga sensação de que somos donos das nossas escolhas, e que tudo que fazemos é reflexo de uma vontade e decisão nossa. Ledo engano. A vontade de comer o Big Tasty mais tarde é guiada por uma parcela de valor imposta pela propaganda: 'O grande matador, do tamanho da sua fome'. Golpe baixo; realmente, a minha fome é enorme, quase todo o tempo. A compra daquele cachecol novo, ou daquele Mocassim chique é determinada, também, pela beleza que se enxergou quando o modelo apareceu maravilhosamente photoshopado naquela revista famosa. "Cachecol preto que combina com sua camisa: 60 reais. Mocassim branco-gelo na promoção imperdível: 79 reais. Aquela outra camiseta listrada maravilhosa para uma próxima saída do outro final de semana ainda: 115 reais. Óculos gigantes combinando com seu rosto redondo: 189 reais. Baladinha no final de semana: 100 reais. Continuar consumindo desmedida e compulsivamente: Não tem preço". Malditos cartões de crédito.

'Direito que alguém se arroga: tomar a liberdade de contradizer uma pessoa. Liberdade de opinião, de pensar, direito de exprimir cada um de seus pensamentos, suas convicções'. Fala sério! Vai dizer à sua amiga que você não concorda com o fato dela sofrer pelo ex-namorado, que não se importa com ela. Vai falar para os seus pais que tatuagem não é coisa de "maloqueiro". Vai dizer à sua avó que o Roberto Carlos não é o melhor cantor do mundo. Diga ao colega que aquela foto está muito photoshopada. Tente dizer a uma pessoa que você não acredita naquilo que ela defende piamente. É um dever, às vezes, se relacionar bem com quem se gosta. O direito, transformado no oposto, carrega consigo uma carga pesada, um fardo que chega a ser exagerado.

'Liberdade natural; direito que o homem tem por natureza de agir sem qualquer constrangimento externo'. Complicado. Complicadíssimo, para falar a verdade. Nesse ponto, entra a questão do preconceito, dos tabus, dos (pré)conceitos formados ao longo da vida, e mais um tanto de poréns. A vida em sociedade exige que eu me porte de uma forma, que algumas vezes, não condiz com aquilo que realmente quero fazer ou falar. Aos olhos dos outros, o 'diferente' é chocante; chega a ser repulsivo. Como devo agir para não ser taxado, para não ser apontado? O jargão 'cada um cuida da sua vida' vai, totalmente, por água abaixo.

'Maneira de agir com audácia: tomar liberdade com qualquer pessoa'. Acredito, apesar de tudo, que os conceitos de liberdade, no final, são ditados por nós. São contradições que se complementam, e que determinam o motivo de sê-las. Vou tomar a liberdade de continuar agindo da forma que me convém, mantendo, melhorando... tudo de acordo com aquilo que quero. Como tudo na vida, as diferenças se contrapõem e todos somos guiados por escolhas próprias. Repetitivo, cansativo, monótono. As palavras óbvias aqui ditas são reflexos da liberdade que tomo de falar com audácia: eu não te dou a liberdade que não quero que tenha. "A nossa liberdade termina quando começa a liberdade do outro".

Um comentário:

André Pupulin disse...

Interessante.
Nos meus tempos de faculdade, li o "Elogio da Loucura" de Erasmo de Roterdã. E o estranho é que continuamos a nos comportar como o mesmo descreveu em 1509. Para vivermos temos que carregar conosco nossa parcela de loucura. Entre elas, privarmo-nos da nossa própria liberdade para o convívio social.
Continue escrevendo sempre. :D